A menina
Eu tinha onze anos naquela época, e ela tinha doze. Talvez tenha sido a primeira menina que, durante um bom tempo, tomou todos os meus pensamentos. Ela era bonita, cabelos castanhos longos e lisos e um sorriso daqueles que só encontramos em crianças e em alguns raros adultos que souberam crescer sem deixar morrer a criança que foram.
Conheci-a porque, naquele ano, minha família frequentou bastante o local onde ela morava. Sempre passávamos perto dela e, desde a primeira vez, ela me chamou bastante a atenção. Na verdade, estou mentindo quando digo que a conheci, porque tudo o que fiz naquele ano e durante alguns anos depois foi olhar para ela de longe. Passava horas observando-a e pensando sobre quem eram seus amigos, do que ela gostava de brincar e que músicas ela gostava de ouvir. Ficava imaginando até como ela havia comemorado a vitória do Brasil na Copa do Mundo.
Boa parte das minhas brincadeiras consistia em inventar países, cidades, programas de TV, todo um universo no qual eu poderia ser um herói e não me sentir tão sozinho. Será que ela também se sentia solitária? Eu duvidava. Parecia animada e extrovertida demais para ser assim. Mas eu não tinha como saber. Na verdade eu apenas a conhecia por foto. Uma foto bastante amarelada e maltratada pelo tempo. Já não lembro o nome dela, mas lembro das datas em sua lápide: *1958 – †1970. Ela morrera pouco depois da Copa.
Foi um ano difícil. Muitas pessoas próximas morreram, e as idas àquele cemitério eram constantes. Com o tempo, eu não sentia mais medo, e até achava, como acho até hoje, que cemitérios são lugares paradoxalmente bons para pensar na vida. Sempre que podia, dava uma escapada para percorrer as áreas onde estavam os túmulos mais antigos. Gostava de imaginar quem era filho de quem, esposa de quem, como era a vida daquelas pessoas.
Mas acabava passando mais tempo mesmo junto ao túmulo daquela menininha de 12 anos, tão sorridente e feliz que nem parecia morta há tantos anos. Eu achava que teríamos sido bons amigos, talvez algo mais, não fosse o fato de estarmos em mundos diferentes.
- De Meias Vermelhas & Histórias Inteiras (2007)