CALIX BENTO
CALIX BENTO
Tem esse mistério das literaturas e da fé que eu acho incrível: Minas Gerais contém o Universo. Se há algo da experiência metafísica transcendente universal que exista fora do Grande Sertão Veredas ou dos discos do Milton Nascimento nós ainda não descobrimos (e o amor adolescente mora no hit do Tavito, Rua Ramalhete, mas divago). Outro dia disse aqui do quanto os ritos me acalmam, e lembrei disso porque passei o dia ouvindo Calix Bento. É do Geraes, o disco do Milton no ano em que nasci. Geares é uma experiência toda fundamental, mas Calix Bento é que está no repeat. Tavinho Moura, grande compositor do Clube da Esquina, fez um amálgama de duas cantigas folclóricas que o remetiam a uma experiência da infância: encontrar a Folia de Reis no caminho da fazenda. Ele diz ter ficado marcado por aquele canto ininteligível e ao mesmo tempo poderoso, e que queria construir um Oratório de gente e de experiências. A Folia de Reis é parte do meu folclore pessoal, nasci no dia de Reis e cresci ouvindo a respeito da festa no Interior, mesmo nunca a tendo encontrado. É dessas coisas que fazem parte de nós, que nos definem imaginariamente em nosso núcleo familiar mesmo sem a vivência. Mas eu meio que tenho a vivência. Acho que Calix Bento me acolhe porque é toda ela um ato contido e forte de fé. É como encontrar uma benzedeira. Não sei se elas ainda existem, mas eu amo benzedeiras. A minha era a Dona Jovem. Não sei se os galhos de arruda e a oração sussurrada me curavam mesmo, mas isso é o de menos, porque eu adorava aquela senhora tão querida por toda a minha família já antes da minha existência, e aquilo tudo me fazia sentir em paz. Era quentinho, e a faixa 2 do Geraes me remete àquela sensação. Eu não sei se a oração é capaz de nos curar do futuro, só sei que Calix Bento na voz do Milton hoje é o meu benzimento.